3/28/2021

O Antigo e Clássico Saint Seiya ou Uma Carta de Amor à CDZ

Pensando aqui à noite em uma crítica comum a Saint Seiya: é antigo, datado, poderia se modernizar.

Nunca entendo. E não falo da parte técnica, óbvio. Penso mais na história, no jeito de contar.

Será que não cabe a história de Cavaleiros do Zodíaco hoje em dia? Será que é mesmo muito antigo? Pouco relevante?

Precisa ser moderno como? Mais rápido?

Acusam a série animada original de ser lenta.

Eu discordo.

O desenvolvimento dos eventos não parece ser mais lento que os bons filmes e séries que eu vejo hoje em dia (2021).

Há sim uma enorme redundância de diálogos ("O que você disse!?"), que poderiam ser substituídos por diálogos mais interessantes. Mas o tempo de tela de cada personagem, ou de cada evento, me parece muito adequado para a forma com que a história é contada. Ou que qualquer história seja contada. Assim como seus silêncios e pausas.

Não acho que haja lentidão nisso. Tem um ritmo moderado.

Talvez o tema então seja muito pouco moderno, muito ingênuo, de outros tempos mais simples?

Será?

Vamos às bases da série.

A história é sobre um grupo de crianças que formam uma poderosa amizade e lutam contra as forças do mal pela paz na Terra.

É bastante ingênuo mesmo lutar pela paz na Terra contra 'forças do mal'. Posto assim...

Mas não é exatamente essa a premissa dos milhares de filmes e séries de super-heróis de hoje em dia? Ué.

Vamos quebrar essa premissa e ir um pouco mais fundo.

O grupo de crianças.

Um grupo de crianças sem pais ou nação que se encontram dentro da amizade que formam entre eles, e nela também encontram forças para cumprirem seus objetivos. (Eu sei, no mangá o Kido é pai-de-todos, mas a essência dos garotos é órfã, nunca tiveram uma figura paterna, materna ou minimamente familiar, foca.)

Crianças órfãs, abandonadas, sem um lugar de origem (negado ou não).

Agora olha pro nosso Mundo. Dê uma volta pelos centros de detenção americanos da fronteira, ou com as histórias terríveis de refugiados sírios na Europa, pra ficar em dois exemplos apenas; sem contar a epidemia de abandono parental. Será que esse grupo de crianças não é, infelizmente, relevante?

A poderosa amizade.

A série é mesmo escorada por valores muito ingênuos: como a amizade. Ou como a resiliência (o tanto que cai, e como sempre levanta), como a superação. A união. E até o amor.

Tudo coisa boba, né. Quantas milhares de histórias já não contaram sobre isso, né. Chega, já deu, entendemos. O que foi contado sobre isso já foi contado.

O moderno realmente é mais cínico, debochado (gosto de muita história assim).

Os Vingadores são tão amigos quanto são funcionários que se bicam uns entre os outros. Super engraçadões (gosto muito).

Os Guardiões da Galáxia também. Mas diferente de outros grupos heróicos, eles parecem 'descer' mais ao coração quando constróem seu grupo. E não é à toa que o final do segundo filme seja tão familiar pra quem está acostumado com Cavaleiros do Zodíaco. Aquilo é CDZ purinho, purinho. Venceram pela força da amizade, basicamente.

Os caras que fizeram nem conhecem CDZ, não é esse o ponto.

O ponto é que não é tão ultrapassado assim a poderosa amizade.

Pelo contrário, por agora, sinto até que faz falta uma história que se permita "descer" à ingenuidade de suas amizades. De se permitir vulnerável em seus sentimentos.

E ainda que fosse realmente antigo.

Que mal há em uma história sobre amizade, sobre resiliência, sobre superação, sobre união, sobre amor. Tudo ingenuidade de criança, mas que mal há para uma criança uma história que reforce essas ideias?

Talvez o Mundo seja horrível e ela precise ser cínica; é, talvez. É possível.

A modernidade então é uma poderosa amizade cínica, cinzenta, amarga? Deve ser.

Mas então dentro dessa modernidade amarga, será que um suco de laranja não cairia bem? Um grupo que se abraçasse e junto conquistasse seus objetivos por mais ingênuos que fossem?

Eu acho que sim.

As forças do mal.

Seiya é escorraçado na Grécia por ser japonês, por ser estrangeiro. E escuta xingamentos desde sempre durante seu treinamento. Isso está nas páginas do mangá, e nas falas do desenho (para os puristas que consideram só uma coisa ou outra).

Discriminação. Xenofobia. Um imigrante escorraçado.

Talvez um japonês sofrendo na Grécia não ressoe tanto. Mas um garoto preto nos EUA? Uma menina palestina na Europa? E por aí vão um sem número de exemplos possíveis aqui de casos. Não é relevante? Não é moderno?

Seiya e seus amigos lutam contra uma força poderosa e totalitária que silencia todos seus opositores jogando seus corpos em valas comuns e punindo a todos que sequer pensam diferente. Com mentiras e dissimulações, ainda engana a todos a acreditarem em sua versão distorcida da história.

Ué. Olha de novo pro seu mundo. Não é moderno o suficiente?

Ah, Bruno, deixe a política fora disso.

Capítulo 16, início do episódio. Capítulo 39, vá lá ver o que pensa Máscara da Morte sobre a história.

É bem breve, é verdade. Saint Seiya não é uma alegoria política ou social. Mas as cores do vilão são essas. Pra ficar bem claro para quem está vendo o que é um vilão.

Pra deixar bem claro à criança que está vendo, o que é certo e o que é errado. A discriminação é errada. E Seiya vence seus detratores. O totalitarismo e as mentiras de Saga são erradas. E Seiya supera tudo e vence o vilão.

De novo, dá uma olhada aí pela janela. Não é atual?

Mas fica ainda pior.

Seiya e seus amigos lutam, ao lado de uma deusa, contra os deuses e seus muitos seguidores em uma eterna eterna missão de se meter e definir o destino dos homens. Que geralmente é terrível.

Ah, mas são deuses que não existem.

Melhor eu nem me alongar.

Ah, mas e Atena?

É considerada uma traidora do movimento, justamente por abandonar sua divindade para lutar a luta dos homens. Contra os deuses.

Olha de novo aí pela janela.

Não é moderno, será?

Amigos. É até desconfortavelmente atual.

Eu nunca conversei, é verdade, com quem ache que Saint Seiya é antigo demais, ultrapassado, retrato de seu tempo. Que os desenhos ou histórias mais modernas agora são diferentes.

Então acabei refletindo sobre o que seria isso.

E concordo: talvez não seja mais o caso de ficar pintando células de acetato pra animar.

=)

Bruno

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